Apesar de fazer parte da agenda de redução dos spreads, a atual gestão do BC tem se caracterizado por uma tendência bem menos intervencionista sobre o mercado, o que levou a questionamento diversos, não somente do setor financeiro
O
Banco Central causou certo estranhamento ao mercado na semana passada ao
divulgar novas regras para o funcionamento do cheque especial, incluindo um limite para as taxas de juros
cobradas. Apesar de fazer parte da agenda de redução dos spreads, a atual
gestão do BC tem se caracterizado por uma tendência bem menos intervencionista sobre o mercado, o que levou a questionamento diversos, não
somente do setor financeiro.
Para
o BC, no entanto, as medidas seguem uma decisão estritamente técnica e que a
imposição do teto para os juros é “exceção das exceções” e se aplica
apenas em último para lidar com situações de imperfeições competitivas no
sistema financeiro. Para
o BC, no caso do cheque especial, há falhas de mercado que justificam a
intervenção regulatória Para esclarecer o assunto ao mercado, o Banco Central
divulgou uma Nota Técnica referente ao cheque especial e sua utilização. Ela
contém, em especial, duas medidas fundamentais para o funcionamento da
modalidade de crédito. Estabeleceu-se o redesenho do produto Cheque Especial,
permitindo a cobrança de uma tarifa sobre o limite não utilizado (0,25% para
limites de crédito superiores a R$500,00, calculados sobre o valor do limite
que exceder R$500,00), e a imposição de um teto para a taxa de juros cobrada de
quem utiliza os recursos desta linha (8% ao mês).
Segundo
o BC as medidas adotadas, visam, sobretudo, reduzir os custos ineficientes
causados pela não utilização do limite pré-aprovado e diminuir o índice de
recorrência de um produto emergencial de altos custos. Analisando as
características do Cheque Especial, a Nota mostra que pelo lado da oferta há
grande poder de mercado no fornecimento do produto, que a taxa de juro cobrada
é pouco sensível ao risco de crédito do tomador de empréstimo e que clientes
com menor nível de renda e escolaridade são os que fazem uso mais frequente do
produto.
A
estatística H que mede o grau de poder de mercado, indicia que o mercado de
Cheque Especial não está em concorrência perfeita, mas também não é
monopolizado. A consequência disto, quando aliada à baixa sensibilidade da
demanda a preços e da taxa de juros ao risco de crédito do cliente, é a
impossibilidade de produção de benefícios para o consumidor. Pelo
lado da demanda, no entanto, foi documentado que reduções em outras modalidades
de crédito levam a aumentos na utilização do Cheque Especial, o produto possui alta taxa de
recorrência mesmo apresentando taxas elevadas de juros, clientes com maiores
rendas utilizam apenas uma parcela reduzida dos seus limites disponíveis e,
assim como na oferta, a demanda pelo produto é insensível à taxa de juros e os
clientes de menor renda gastam proporcionalmente mais que os clientes de alta
renda. A
elasticidade da demanda a preço é basicamente o quanto a demanda de um produto
reage a mudanças no preço, quanto mais elástico maior a variação na demanda ao se variar o preço e
vice-versa. O resultado apresentado na Nota Técnica mostra que a demanda por Cheque Especial é
insensível à taxa de juros, ou seja, aumentos na taxa de juros reduzem timidamente o consumo pelo produto,
diferentemente das outras modalidades de crédito. Quando
observamos os menos escolarizados, a demanda por Cheque Especial é praticamente
inelástica, corroborando com a afirmação que esse grupo de indivíduos são os que possuem
menos alternativas à utilização do Cheque Especial.
A
nota também usa elementos da Economia Comportamental para analisar essa
modalidade de crédito, concluindo que o “imediatismo” contribui na redução da
elasticidade da demanda. O “imediatismo” é, basicamente, priorizar o consumo
imediato diante do consumo futuro, aumentando o endividamento e contribuindo
para a baixa elasticidade, o consumidor prioriza o consumo imediato
independentemente do custo do crédito e que aliado ao poder de mercado, abre
espaço para o alto valor da taxa de juros.
Quando
olhado para outros países, a nota apresenta como algumas regulamentações variam
de país para país. Cada
qual com suas particularidades no mercado de crédito, é comum a determinação de
um teto para a taxa de juros de produtos emergenciais e regulamentações para
cobrança de tarifas em algumas jurisdições. Segundo dados do Banco Mundial, 76
países usam algum tipo de limite para a taxa de juros, porém apenas 9 contam de
fato com um teto limitante.
Finalizando,
é observado mais um fato negativo neste mercado que é utilizado como justificativa
para a realização das medidas limitantes no produto Cheque Especial. É o
subsídio cruzado, no qual os tomadores de empréstimo de renda mais baixa, que
são os que mais utilizam o Cheque Especial, pagam pelos limites não utilizados
dos clientes com rendas mais altas. Isto ocorre pelo fato do Cheque Especial ser
pouco sensível ao risco do tomador, fazendo com que o produto de crédito também
possua características de serviço bancário. O subsídio cruzado ocorre, pois, há
custos no sentido da disponibilização de capital imediato para os tomadores,
mas como muitos desses limites não são utilizados pelos clientes de alta renda, os tomadores de
renda mais baixas arcam proporcionalmente mais com este custo.
FONTE: DIÁRIO DO COMERCIO